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sábado, 29 de maio de 2010

Novos ricos chegam ao Tatuapé mudando a dinâmica do bairro - Diretriz

Giovana Torres Pessoa
Beatrice Morbin

Região ganha nova infra-estrutura, grandes lojas e supermercados, mas moradores reclamam da descaracterização do bairro.

O Tatuapé, na zona leste, já não é mais aquele bairro tranquilo, com ar de interior, de anos atrás. O novo “boom” imobiliário na região, com empreendimentos de médio e alto padrão em torno do Jardim Anália Franco, o tornou uma das regiões mais valorizados da cidade de São Paulo. De acordo com o Conselho Regional de Corretores de Imóveis (CRECI) trata-se de uma “zona de valor A”, o que a coloca no mesmo nível de Moema, Higienópolis e Jardim América.

Isso seria muito bom para os moradores do bairro se o crescimento tivesse ocorrido de forma de ordenada. Moradores se queixam do excesso de obras, trânsito, barulho e a substituição das antigas vendinhas por megastores. “A dinâmica do bairro mudou. Antigamente a gente fazia compra na mercearia da esquina. Hoje elas mal existem e o que resta fazer é ir até o hipermercado que ocupa quase um quarteirão inteiro e ficar mais ou menos 1h na fila do caixa”, reclama Regiane Silvestre, 47, residente do bairro desde que nasceu. Dona Eulália, que prefere não ser identificada nem revelar a idade, queixa-se do transtorno de tantas obras ao mesmo tempo. “Ao redor do meu prédio estão construindo mais sete condomínios. É barulho de obra da hora em que eu acordo até hora em que eu chego em casa. Nem de final de semana da sossego!”, desabafa.

A nova burguesia trouxe com ela obras de infra-estrutura, com as quais os antigos moradores do bairro, acostumados a uma vida pacata, nunca haviam sonhado. O bairro só começou a receber atenção e obras públicas depois que os novos ricos chegaram. O arquiteto e pesquisador Paulo Ricardo Jaquinto, professor de arquitetura do Mackenzie, estuda a fundo os efeitos da urbanização sentidos pelos moradores e, segundo ele, o desenvolvimento acelerado no Tatuapé segue o modelo típico de metrópoles de terceiro mundo, onde um quarto da população vive em condições de primeiro mundo e três quartos em condições de quarto mundo.

“Antes os novos ricos procuravam se mudar para o centro da cidade, e proximidades, que são as áreas nobres mais tradicionais, diz Giaquinto. Porém, na região do Tatuapé é possível observar um movimento oposto a isso. Os novos ricos da região da zona leste preferiram continuar na região a se mudar para a zona oeste e/ou central e, dessa maneira, fazem pressão para melhorias na infra-estrutura”.

“Aquele pedaço [Jardim Anália Franco] não valia nada até construírem o metrô. A hora que construíram o metrô, aqueles terrenos se valorizaram. Ganhou-se muito dinheiro com a implantação de um sistema de transporte rápido no local, o que contribuiu para a verticalização desses terrenos”, comenta o urbanista.

“O bairro quase não tem mais casa, agora é só prédio, prédio, prédio. A minha casa eu não vendo pra construtora nenhuma. Moro aqui há quase 50 anos e tenho minha pracinha para cuidar”, afirma D. Joceline, que mora em uma das poucas casas que ainda restam de um quarteirão que foi posto a baixo para a construção de um condomínio com quatro blocos.

O transito do bairro é caótico, principalmente das 17h às 19h, quando os moradores começam a voltar para suas casas. Buzinas e ofensas em cada esquina. Um dos principais problemas nas ruas do Tatuapé é a falta de semáforos em cruzamentos muito movimentados e os microônibus que trafegam em ruas muito estreitas, dificultado a passagem de outros carros. “Sinto falta de sair de casa e não ter que ficar preso no trânsito para comprar pão”, diz José Carlos, 55, morador do Tatuapé a mais de 40 anos.

Quando perguntamos o que poderia ser feito para amenizar a situação do trânsito e a falta de estrutura nessa região Giaquinto aponta a necessidade de investimentos em transporte coletivo, em alternativas para o transporte de carga e mudanças no transporte individual. “Quando se fala da estrutura da cidade tem de se pensar que as coisas não são assim por acaso, elas são assim porque a sociedade pressiona para seja dessa forma”, explica.

Para ele não se trata de um simples problema na infraestrutura das cidades, mas na estrutura da própria sociedade. “Tirando Brasilia e Curitiba eu acredito que São Paulo é uma das cidades mais planejadas do Brasil. Porém é uma cidade planejada para poucos”, diz Giaquinto. “São Paulo é planejada milimetricamente para enriquecer mais ainda os ricos e os ricos terem o bem estar garantido”.

Segundo ele, esse tipo de planejamento procura atender, em ordem de importância, o bem estar da população rica, o desenvolvimento do mercado imobiliário e por último a tentativa de tornar a cidade eficiente. “É uma cidade que dá muito lucro para o capitalista que investe pesado, e a infraestrutura acompanha essa burguesia”, salienta Giaquinto.

Essa matéria  que será publicada no Diretriz de Junho.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

DOIS - à algum tempo


Crítica Teatral que postei no meu antigo blog à algum tempo, mas o texto, acredito que ficou bem bacana. Na época eu estava no final do primeiro semestre da faculdade, hiper empolgada. Ainda tenho muito dessa empolgação, ainda bem, mas fica um pouco o receio de não ter a maturidade e a vivência que tanto dizem ser necessária para se fazer uma boa crítica. E, desde que notei o tamanho de minha responsabilidade como jornalista e formadora de opinião, bate aquele friozinho na barriga e a vontade de me preparar melhor antes de escrever sobre algo.


Vale a pena ressuscitar este post.


Espetáculo: DOIS

Por: Giovana Torres Pessoa

O espetáculo Dois questiona de forma bastante instigante a dualidade dos seres humanos. Questiona o modo como a vida tem ganhado um ritmo frenético e descontrolado. Isso nos leva, muitas vezes, à alienação, à falta de conhecimento de si mesmo, e da sociedade em que vivemos.

Em ritmo acelerado a personagem descreve sua rotina no trabalho dizendo repetidas vezes: pego papel; carimbo papel; assino papel; entrego papel. Uma descrição tão simplista revela como a fragmentação do trabalho e a repetição apenas mecânica deste fazem com que a própria personagem não se reconheça no que está fazendo, e dessa forma não vê valor.

Desvalorizado profissionalmente, tanto quando se refere ao reconhecimento social quanto financeiro, a personagem mostra sentir-se impotente, pois mesmo trabalhando incessantemente não ganha o suficiente para garantir conforto à família e manter as contas em dia. Além de passar pouco tempo com os entes queridos, e ter seu único momento de lazer ao assistir a novela – que termina sempre com um final feliz.

Como todo ser humano, está em busca da felicidade. Vendo sua vida ser marcada pela desvalorização, pelo vazio, pela ausência, a personagem termina solitário. Mergulhado em suas lembranças conclui, no fim, não ter nascido para ser feliz.

Todos buscamos a felicidade, mas para alcança-la não basta apenas o sucesso pessoal, mas também o das pessoas que nos cercam. Pois a felicidade só existe quando todos somos livres – quando podemos agir a partir de nossas próprias escolhas, de forma consciente e responsável – e chegamos à concórdia. Não há, então, felicidade quando uma pessoa se aproveita da outra, ou uma classe explora a outra.

Acredito que hoje todos nós somos, de certa forma, infelizes. Quando no conforto do nosso carro, com ar condicionado ligado, é só olhar para o lado para ver uma criatura em uma sobrevida. Pessoas jogadas na rua, sem os cuidados mais básicos como higiene e alimentação. Somos infelizes quando temos uma sensação de impotência por não poder resolver a situação como um todo.

Fica subentendido a pergunta: Hoje, com todos os avanços científicos e tecnológicos, será que somos civilizados?

Será que “a luta de todos contra todos”, sobre a qual Hobbes dizia ser a condição em que o homem vivia no Estado de Natureza, terminou ou continua hoje na “selva de pedra”?

Estamos vivendo o que Lipowetski chamou de “A era do vazio”, na qual o mundo é marcado pelo individualismo, egoísmo, egocentrismo, apatia política e a preocupação apenas com o prazer imediato.